Nágila Goldstar: “Drag é arte, não gênero”

Conheça a trajetória da atriz Ingridy Carvalho, a primeira mulher cis a atuar na cena drag de Salvador 
Por Marcellus Araújo

Nágila Goldstar veio ao mundo há seis anos atrás. Antes disso ela já existia, dentro da cabeça da atriz e performer Ingridy Carvalho, mas ainda precisava ser desenvolvida, como ela mesma explica. Nágila é uma drag queen, e Ingridy é a primeira mulher cisgênero a atuar na cena transformista de Salvador, capital da Bahia.

No Mês da Mulher, em que se comemora no dia 8 de março o Dia Internacional da Luta pelos Direitos da Mulher, Ingridy fala com o Distrito Drag sobre a sua jornada como mulher que se monta… de mulher! Ela fala sobre os símbolos femininos e a luta política que eles estabelecem, explica de onde vieram os preconceitos com os quais teve que lidar quando começou a se montar. Para a atriz, sua persona drag evidencia a misoginia presente nos ambientes mais diversos.

Ingridy sabe muito bem quais os horizontes que Nágila amplia apenas com sua presença, e em quais feridas ela de nossa sociedade ela mexe. E simplifica tudo quando diz que “drag é arte, não gênero”.

Confira abaixo a entrevista na íntegra.

Distrito Drag – Vamos falar de Nágila. Quem é essa mulher?
Nágila Goldstar – Nágila é uma drag. Ela foi inspirada pelas mulheres trans e travestis que faziam arte transformista nas décadas de 1970 e 1980. Nesse sentido, eu reverencio minhas antecessoras. E pelas “femmes fatales”, mulheres que usam a feminilidade como artifício e instrumento de poder. Nas narrativas convencionais, geralmente impregnadas de misoginia, a femme fatale costuma perecer ou ser castigada. Mas, na narrativa criada através de Nágila, o destino dessa mulher é o prazer e a alegria. Por outro lado, Nágila também gosta de abordar questões sociais importantes, relacionadas à sexualidade, ao empoderamento feminino e à violência contra a mulher, por exemplo. Em relação à sua montagem, Nágila ama brilho, paetês e plumas, assim como explorar, eventualmente, o lado mais cômico e caricato da arte drag.

DD – E quem é a mulher que dá vida a Nágila?
Nágila – Ingridy Carvalho, atriz e performer. Uma mulher apaixonada pelas mulheres e pelo feminino, sabendo que a feminilidade pode habitar qualquer tipo de corpo. E também uma mulher que gosta de performar uma determinada feminilidade, sabendo que esta é somente uma possibilidade dentre as tantas que podem existir.

DD – Como é a experiência de ser uma mulher cis que faz drag?
Nágila – Eu fui a primeira mulher cisgênero a atuar profissionalmente na cena drag de Salvador, participando de concursos, fazendo projetos, me apresentando na noite com frequência. O começo foi um pouco difícil pois enfrentei uma resistência considerável. Depois foi ficando mais “tranquilo”, outras meninas chegaram na cena, e nossa presença foi se tornando “normal” e até mesmo “valorizada”. Coloquei tantas aspas porque, se por um lado o que falei é real, por outro isso não significa que não existam mais tensões. A questão é que se tornou politicamente incorreto criticar nossa presença, então muita gente nos engole porque não tem muito o que fazer a respeito. Se não aturar, a opção vai ser surtar.

Voltando ao início da minha jornada, o mais surpreendente de tudo é que a resistência à minha presença veio majoritariamente das drags da minha geração. Eu recebi muito apoio das drags mais antigas, e de mulheres trans que também já estavam na cena. Essas pessoas pensavam pra frente e já tinham a perfeita compreensão de que drag é arte e não gênero.

DD – E como surgiu essa experiência?
Nágila – Eu atuava num espetáculo chamado “Cabaret Drag King”, que começou em 2013. Nágila nasceu no primeiro semestre de 2015, numa das edições do Cabaret. Antes, ela existia na minha cabeça, mas não era muito desenvolvida. Comecei a desenvolvê-la em 2015, depois desse espetáculo que mencionei.

DD – Como a arte transformista dialoga com o feminino em você?
Nágila – Uma vez que a drag é explicitamente “feita”, “montada”, ela acaba representando a exacerbação de um processo que ocorre na vida social, cotidiana. Neste sentido, nós, mulheres cis, aprendemos desde que nascemos o que é permitido para nós, em termos de hábitos, gestos e objetos. E isso é decidido antes de termos autonomia, a partir de uma leitura hegemônica sobre o corpo que temos. E há um esforço, toda uma pedagogia para ensinar alguém a ser uma mulher (ou um homem). Neste sentido, a feminilidade é uma construção. No meu trabalho eu gosto de manejar os símbolos e objetos atribuídos ao “feminino” e subvertê-los. Transformar o salto, que é um símbolo de fragilidade, num símbolo de poder, por exemplo.

Ser/fazer drag me permite expressar tudo isso artisticamente, só pelo fato de estar montada! Mas ser drag é também simbolizar a cultura LGBTQ, é ser um personagem da noite, com toda a magia, mistério, fantasia, alegria, expectativa que isso envolve. Eu amo a noite e também a minha comunidade, tenho muito orgulho!

DD – Você sofre preconceito por ser uma artista que faz drag?
Nágila – Geralmente sou bem acolhida na maioria dos ambientes, mas tem algumas situações cotidianas que, às vezes, se revelam difíceis. Já fui discriminada por motoristas de carros de aplicativo, por exemplo. Já sofri assédio pela internet de homens que confundem transformistas com trabalhadoras sexuais, e mesmo que eu fosse, isso tampouco seria tolerável.

DD – Qual a sua bebida preferida?
Nágila – Tarja Preta, que é o drink oficial das artistas que se apresentam no Âncora do Marujo, uma casa muito importante que há 20 anos existe e resiste no centro de Salvador, abrigando as transformistas da cena soteropolitana.
Quer saber do que a Tarja Preta é composta? Só indo ao Âncora para saber!

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