Fábio Felix: “A arte drag quebra barreiras que impedem a gente de conversar com a sociedade”

Entenda os desafios que o primeiro parlamentar orgulhoso de ser gay vive no seu ambiente de trabalho, a Câmara Legislativa do DF, e o que ele pensa sobre LGBTfobia, militância, representatividade e a importância da montação

Por Marcellus Araújo

Ele começou a militar pelos direitos da comunidade LGBTI+ em 2003, quando ainda era adolescente. Quando entrou pra faculdade de serviço social, ajudou a fundar o Klaus, o primeiro coletivo de diversidade sexual na Universidade de Brasília (UnB). Também participou da fundação do Partido Socialismo e Liberdade, o Psol, do qual foi eleito presidente do diretório do DF em 2017, mesmo partido pelo qual foi eleito deputado distrital, no ano seguinte, com mais de 10 mil votos.

Hoje, além de ser a primeira pessoa LGTBI+ eleita na Câmara Legislativa (CLDF), Fábio Felix é o presidente da Comissão de Direitos Humanos, Ética e Decoro Parlamentar do legislativo distrital, e líder Minoria, um dos blocos políticos de deputados.

Apesar da trajetória relevante e das posições de poder que ocupa hoje em dia, a rotina do Fábio é a mesma da maioria das LGBTI+ no Brasil: a LGBTfobia faz parte do seu cotidiano, e ele explica como, porque e de que maneira enfrenta o preconceito e faz a sua luta diária contra o preconceito.

Alexandre A. Bastos/Mandato Fábio Felix

Distrito Drag – O que significa pra você ser o primeiro parlamentar gay da CLDF?

Fábio Felix – É um salto civilizatório. Abrir essa porta de representatividade no poder legislativo local significa que as nossas vozes vão começar a ser ouvidas, as vozes dos setores historicamente excluídos dos espaços institucionais e dos espaços da política. E isso nos traz condições para pautar uma agenda de transformação da realidade mais objetiva, de mobilizar junto com a sociedade civil as modificações na legislação local, no sentido da garantia da cidadania pra população LGBTI+, mas também pra enfrentar os retrocessos que neste momento são muito grandes. Há muitos setores fundamentalistas, do ponto de vista religioso, que tentam silenciar as nossas vozes, os nossos afetos, criminalizar o nosso beijo, o nosso amor. E para além disso, significa provar que nós podemos pautar e discutir todos os temas. Não é porque eu sou LGBTI+ que meu tema é só diversidade e direitos humanos. A gente pode debater economia, direito à cidade, mobilidade urbana, saúde pública, educação, a questão fundiária, e tantas questões fundamentais pra cidade, porque nós temos qualidade, projeto político. 

Alexandre A. Bastos/Mandato Fábio Felix

A nossa representatividade e a nossa identidade são somadas a muito conteúdo. E isso é muito transformador, porque, daqui pra frente, o nosso voto não é só das pessoas LGBTI+, que acreditam na gente, mas um voto da sociedade, de quem aposta num projeto político que seja de transformação, de mudança da sociedade em uma lógica de enfrentamento às desigualdades, contra os preconceitos e discriminações, que construa uma sociedade de justiça social, e isso é muito importante nesse novo paradigma da representatividade. E a nossa luta é por todas as representatividades, como das mulheres e da população negra, por exemplo.

DD – Como a homofobia estrutural afeta seu dia a dia no trabalho parlamentar? 

Fábio – Eu posso dizer que sofri homofobia todos os dias do meu mandato. A homofobia estrutura as relações sociais na nossa sociedade e produz um ambiente hostil à diversidade, à minha orientação sexual. Eu não me sinto à vontade dentro do ambiente institucional com o meu afeto. É como se eu estivesse sendo julgado em várias dimensões, tanto por colegas, em alguns momentos, quanto por servidores, servidoras, em reuniões institucionais com outros atores e movimentos que a gente precisa encontrar e dialogar. Então, meu trabalho também é sempre superar a barreira homofóbica. Isso é, como as pessoas te enxergam, e como você enxerga o ambiente onde você convive. Eu posso afirmar que é mais uma fronteira que um gay, ou uma LGBTI+ tem que conviver todos os dias dentro da política, na vida institucional. É mais uma barreira que a gente precisa atravessar e superar. É um peso ainda maior pra quem ocupa esse espaço a partir dessa identidade.

Alexandre A. Bastos/Mandato Fábio Felix

Quando nós tivermos muitas nesse espaço, talvez a gente tenha conseguido transformar esse ambiente de forma completa, mas por ser o primeiro, sinto que o ambiente ainda é muito difícil. Hoje eu ocupo o gabinete 24 na Câmara Legislativa, e eu ocupo justamente porque os deputados sequer queriam estar nesse gabinete, e isso é consequência da homofobia, que é estrutural, e portanto é prática cotidiana de uma série de agentes nesse espaço.

 

DD – Qual a importância de as pessoas LGBTI+ se organizarem nas escolas, nas universidades?

Fábio – Eu aprendi a lutar pelos meus direitos a partir da lógica da auto-organização, me vendo como um agente coletivo, um sujeito na coletividade, junto com outras LGBTI+ que tinham vivências parecidas com as minhas. Tive a oportunidade de ajudar a fundar o primeiro grupo LGBTI+ da Universidade de Brasília (UnB). Tenho visto cada vez mais pessoas LGBTI+, tanto nas escolas de ensino médio quanto nas universidades, se organizando, com muita liberdade de demonstração de seus afetos, clareza da necessidade da luta cotidiana pela nossa aceitação e pelo avanço dos nossos direitos. Eu não tenho dúvida que a nossa auto-organização e a nossa capacidade de articulação com diferentes segmentos e a nossa mobilização constante são capaz de mudar a realidade que a gente vive, de ativar na sociedade a reflexão sobre esses temas, pra quem tem muito preconceito, pra quem nunca pensou sobre o assunto, e até pra alcançar e enfrentar aqueles pensamentos conservadores que tentam negar nossos direitos e a nossa cidadania.

Alexandre A. Bastos/Mandato Fábio Felix

A nossa mobilização e organização coletiva são fundamentais nas escolas e universidades. Eu visitei muitas escolas, especialmente ao longo do primeiro ano do mandato, em 2019, e eu tenho visto como as adolescentes e os adolescentes têm lidado com muito mais tranquilidade com seus afetos, e já têm se organizado em torno desse tema, o que vai gerar no futuro uma mudança ainda mais importante na sociedade.

 

DD – Como você percebe que o movimento drag ajuda no combate à LGBTfobia?

Fábio – O movimento drag me inspira muito! Sempre fui muito fã, desde muito cedo. Nas boates, festas, eu ficava na frente do palco, vendo as performances, sempre achando muito legal. Acho que existe uma brincadeira sobre essa mobilidade de gênero, e isso é muito provocativo pra sociedade, porque coloca em cheque esses nossos padrões muito binários, cisgêneros e heteronormativos. E como fomos criados nesses padrões, eles acabam pautando muito a nossa existência.

A arte drag, a partir da brincadeira, quebra uma série de barreiras que impedem a gente de conversar com outros atores sociais, diversos setores da sociedade. Eu sou um apreciador, um fã, e acho que a gente precisa incentivar e formar mais pessoas, porque a arte drag tem virado um movimento social. Isso é muito interessante e tem uma capacidade mobilizadora incrível.

Alexandre A. Bastos/Mandato Fábio Felix

DD – Qual a sua bebida preferida?

Fábio – É a cerveja! Eu amo uma cervejinha. Sol e cerveja: não fujo!

Alexandre A. Bastos/Mandato Fábio Felix

Deixe uma resposta