Entenda a importância da reprodução assistida no planejamento familiar LGBTI

Especialista em reprodução humana assistida, o médico Nícolas Cayres atua no Distrito Federal ajudando famílias transexuais, homoafetivas e monoparentais a realizarem o sonho da gestação

Por Marcellus Araújo

A comunidade LGBTI do Brasil vem conquistando avanços significativos na luta por direitos humanos e civis, especialmente na última década. Questões como o casamento, políticas públicas e legislações de combate à discriminação, a adoção e o direito à constituição familiar têm ganhado cada vez mais espaço no debate social. No Distrito Federal não é diferente. O conceito de família é cada vez mais diverso, e a população LGBTI é parte fundamental da construção dessa diversidade.

Se nós estamos constituindo família, com filhos, o planejamento familiar e a reprodução assistida são importantes para as pessoas LGBTI que desejam a gestação de filhos biológicos. Os métodos, procedimentos e possibilidades são diferentes para famílias não-heterossexuais, ou seja, aquelas formadas por mulheres cisgênero lésbicas, homens cisgênero gays,famílias que tenham pessoas transexuais, e até mesmo para famílias monoparentais, independente se a pessoa é mulher, homem, cis, trans, LGBTI ou não.

Quem ajuda essas famílias a gestar filhos são especialistas em reprodução humana assistida. Esse é o caso do médico ginecologista e obstetra Nícolas Cayres. Ele é especialista em reprodução humana assistida, e trabalha no Distrito Federal ajudando famílias trans, homoafetivas e monoparentais que desejam realizar o sonho da gestação. Ele falou com o Distrito Drag para explicar os desafios e as estratégias possíveis que pessoas transexuais podem aderir quando querem engravidar.

Distrito Drag – O que é a reprodução assistida, e a quem ela atende? 
Nícolas Cayres – A reprodução assistida é o ramo da medicina que lida com problemas de fertilidade e ajuda pessoas a terem filhos. É uma ciência desenvolvida inicialmente pra ajudar casais com problemas de infertilidade. Mas hoje se destina também a pessoas LGBTI que querem realizar o sonho de construir família. E também ajuda famílias monoparentais, de um pai ou de uma mãe, pessoas LGBTI ou não, solteiras, as chamadas produções independentes.

Foto: Reprodução

DD – De onde veio o seu interesse em trabalhar com reprodução assistida para pessoas trans? 
Nícolas – Eu sou ginecologista obstetra. Pra se sub especializar na área de reprodução assistida é preciso ter essa formação. Essa é uma área da medicina muito gratificante pra mim, porque você trabalha promovendo a vida. E eu me realizo bastante nesse aspecto. Desde a residência, sempre quis me voltar pro público LBGTI, até por uma questão de empatia, porque também faço parte da comunidade, e sempre percebi que as pessoas LGBTI têm mais dificuldade de encontrar serviços especializados. Essa dificuldade acontece porque muitos médicos não lidam com esse público. Pacientes transexuais relatam a dificuldade de acessar serviços de saúde. A falta de acessibilidade começa já no nome social. Quando essas pessoas têm plano de saúde, por exemplo, o nome já começa a ser um problema. Depois, a dificuldade é encontrar profissionais que estudam questões relacionadas aos cuidados com pessoas transexuais, e de pessoas LGBTI em geral. E por questões de formação, não existem muitos profissionais que ofereçam esse serviço. Mas a minha experiência tem sido muito legal.

DD – Que desafios você percebe que homens transsexuais precisam transpor para serem gestantes? 
Nícolas – Primeiro, do ponto de vista de especialista em reprodução, o maior desafio é a preservação da fertilidade. O homem trans geralmente procura a reprodução assistida quando já está na transição de gênero, usando hormônios, e precisamos analisar o tempo que esse homem está usando a testosterona, porque ela afeta a produção de óvulos. Segundo, quando eu paro da hormonização, pra algumas pessoas acontece a questão da disforia, com alterações hormonais, o que pode causar uma série de desconfortos e dificuldades. E terceiro, o próprio acesso ao serviço de reprodução. Eu ouço muito dos meus pacientes que ainda não existem serviços exclusivos pra atendimento de pessoas trans. Alguns relatam estranheza de pacientes na recepção, por exemplo, e situações constrangedoras. A gente tenta reduzir isso ao máximo, usando horários melhores, por exemplo, mas como não existem clínicas exclusivas, isso é um empecilho, mas que não impede o tratamento. Onde eu atendo não acontece transfobia, porque a nossa equipe é orientada e preparada, mas estranhamentos ainda são inevitáveis.

DD – Que conselhos você dá para pessoas transexuais que desejam ter filhos? 
Nícolas – Se você ainda não iniciou a transição, procure ajuda especializada pra congelar seus óvulos ou seus espermatozoides. Depois da transição, temos que interromper a hormonização pra produção dos gametas. Segundo, não tenha medo ou vergonha de começar esse processo, de constituir família, esse é um direito que todo mundo tem, não tenha medo ou vergonha de ir atrás desse direito.

Foto: Reprodução
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DD – Como é possível pensar em políticas públicas que torne viável o princípio da pluralidade das entidades familiares? 
Nícolas – Aqui em Brasília existe um serviço de atendimento a pessoas trans no Hospital Dia da 508/509 Sul. Mas além disso, o que a gente precisa é mais conversa, integralidade desses centros de saúde. Aqui em Brasília só existe um centro que faz o serviço da fertilidade como da hormonização. Eu sou voluntário e atendo pessoas através de cadastro de pessoas trans realizado pelo Distrito Drag. Mas eu não sou gestor público. Vejo que é preciso uma comunicação mais intensa do setor público com centros que realizam esse serviço, tanto da rede pública quanto da privada. A fila é grande nos dois casos.É sempre bom divulgar esse tema pra população LGBTI, principalmente pras pessoas trans, mostrar que existem meios e maneiras de se constituir família. Estou à disposição e de portas abertas pra atender a comunidade. É muito importante não desistir. Se você tem vontade de ter um filho, é possível pra todo mundo.

Foto: Reprodução

DD – A reprodução assistida está disponível no Sistema Único de Saúde? 
Nícolas – Sim. Aqui em Brasília tem um centro público de reprodução assistida, no Hospital Materno Infantil de Brasília, que atende pessoas transexuais. Nessa fila, qualquer pessoa, cisgênero ou transgênero, entra na fila e espera um certo tempo até ser atendida.

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